Portugal tem "muita agricultura forçada para a exportação"

Portugal tem hoje muita agricultura forçada para exportação, que ameaça o equilíbrio biológico, e recorre, sobretudo, a mão-de-obra asiática, sujeita a “circunstâncias detestáveis” de sobre-exploração, defendeu o antigo ministro da Agricultura António Barreto, em entrevista à Lusa.
“Hoje em dia, Portugal, a meu ver, perdeu bastante na capacidade de autossustentação agrícola e alimentar. Tem muita agricultura forçada para exportação — fruta, primores, mirtilos, morangos, abacates, coisas assim, que são ameaçadoras do equilíbrio biológico e social”, defendeu António Barreto.
O antigo ministro da Agricultura do primeiro Governo constitucional, liderado por Mário Soares, referiu que a mão-de-obra agrícola é hoje, nestas produções, sobretudo, asiática, e que está sujeita a “circunstâncias detestáveis de sobre-exploração, más condições de vida, más condições sociais e de instalação”. Para Barreto, esta realidade é fruto da imigração clandestina, não regulamentada.
O também sociólogo acredita que vai continuar a verificar-se uma “pressão” no setor, tendo em conta que o tipo de agricultura praticada, com recurso, por exemplo, a estufas, precisa de mão-de-obra barata e, portanto, abrem-se as portas.
“É preciso ir ver em que condições é que estão a trabalhar […] e ver as condições em que vivem […]. Bom, isto para não falar das condições urbanas porque, em Lisboa, Porto ou Setúbal, há dezenas, centenas ou milhares de apartamentos sobrelotados. Tudo isto necessita, evidentemente, de tratamento, legalização e cuidado até para defender os direitos dos imigrantes”, precisou. Meio século após a reforma agrária, o mundo agrícola depara-se hoje com “um real problema” ligado ao desenvolvimento da paz social.
Há falta de mão-de-obra, a maior parte das pessoas abandonou os campos, os proprietários venderam as suas terras ou estão mais interessados em fazer turismo, agroturismo, enoturismo, turismo de saúde e “turismo disto, daquilo e daqueloutro”, apontou.
Por outro lado, o essencial da agricultura é tecnológico e o Alentejo está ocupado com centenas de milhares de hectares de olival “super, ultra intensivo”, que tudo leva a crer “que seja uma solução errada”.
António Barreto, que foi responsável pela lei de 1977, destinada a regular o processo da reforma agrária, estruturando as condições para a restituição de propriedades aos antigos proprietários ou herdeiros e abrindo caminho para as indemnizações, considerou ainda que a política nacional tem vindo a dar primado à indústria, às estradas e à rodovia de forma geral, bem como ao turismo e aos serviços, em detrimento do mundo agrícola.
“Foram gastos milhões a reformar agricultores, a mandá-los para casa o mais depressa possível para vagar o mundo agrícola”, afirmou. O abandono dos terrenos e do interior do país acabou por ser uma consequência natural da evolução das sociedades, mas também é reflexo do “desleixo e indiferença” do poder político.
Conforme apontou, os incêndios são também fruto deste abandono do interior, sendo que o único ponto positivo é que a mortalidade tem sido mais reduzida. “As pessoas já não estão lá. Já não estão a ocupar a agricultura”, sublinhou.
Até 19 de agosto, arderam mais de 201.000 hectares no país (dados provisórios), mais do que a área ardida em todo o ano de 2024.
observador